Dr. Thorne, de Trollope
Dr. Thorne, de Anthony Trollope, é um romance inglês que explora a decadência e a renovação social. Diferentemente de O Leopardo, de Lampedusa, o tom de Dr. Thorne é mais satírico, leve e menos fatalista. A trama, que por si só já vale a leitura, se desenrola em um pano de fundo de transição social, um aspecto que gostaria de trazer ao centro das atenções.
Trollope percebe um novo mundo surgindo e, embora sinta empatia — e até saudades — da graça e da dignidade das classes antigas, reconhece que a nova igualdade e a futura diminuição das distâncias sociais virão como um imperativo de justiça. O autor intui, sem dúvida, que o único fator que poderia frustrar essa renovação em prol do bem comum seria a transformação da oligarquia inglesa em uma plutocracia.
Chesterton, em sua visão mais trágica da história da Inglaterra, afirma que essa frustração da reforma foi não apenas possível, mas efetiva. Embora não mencionado pelo Apóstolo do Paradoxo, em Dr. Thorne, de fato, o personagem Sir Roger Scatcherd, um homem de origem humilde, acumula tanta riqueza que chega a ter Francis Gresham, um membro da velha aristocracia, sob seu poder, endividado em várias letras de crédito. Contudo, embora conte com a simpatia do autor e, por extensão, dos leitores, Sir Roger não representa, com seu caráter rude e autodestrutivo, o progresso ideal. Na verdade, ele é a personificação de uma nova ordem econômica que ameaça o equilíbrio das classes tradicionais, mas que, paradoxalmente, é necessária para sua sobrevivência ao emprestar dinheiro.
Sir Roger é, sem dúvida, um personagem interessante e imprescindível à mecânica da trama. O prêmio de papel mais fascinante, porém, não vai para ele, mas sim para aquele que dá título ao livro: Dr. Thorne. Como figura intermediária entre o antigo e o novo, ele guarda dentro de si o melhor de ambos os mundos. Movido pelo amor a Mary, uma filha ilegítima, ele defenderia, sem dúvida, o que hoje chamamos de meritocracia contra os privilégios do dinheiro ou do sangue, mas, ao mesmo tempo, reconhece a importância da lealdade e dos valores tradicionais da antiga aristocracia, sendo um fiel servidor desses ideais.
Dr. Thorne, portanto, é um ótimo romance, não apenas para quem deseja se divertir com uma obra engraçada, cuja narrativa fluida apresenta os obstáculos à união amorosa dos jovens protagonistas sendo superados um a um até o final feliz. O livro também possui a qualidade de provocar reflexões sobre transformações sociais que estão em curso, não apenas em lugares distantes, mas também aqui, desde pelo menos a Primeira República.