A Festa do Erro

 


Uma das grandes glórias do cristianismo é o sacramento da confissão. Nele, uma vez arrependidos, vamos a um sacerdote que, in persona Christi, concede-nos a absolvição, administrando as riquezas sem fim da Paixão.  O que, então, acontece é algo de profunda radicalidade sobrenatural. É como se Deus esquecesse a nossa culpa, ainda que a pena permaneça pendente de pagamento, nessa vida ou no purgatório. Esse ato de amor divino pressupõe que exista o pecado, isto é, uma ofensa a Deus, um conceito que, numa cultura relativista, fica reduzido a pó. De fato, se tudo é válido a depender do contexto histórico ou geográfico, o pecado seria apenas um ato mal colocado no tempo ou no espaço, e não um erro de transcendência infinita, que, passando por cima do aqui e agora, atinge o próprio coração de Deus na eternidade.

Essa perda do sentido do pecado, assim,  já deveria ser o bastante para o rechaço do relativismo. No entanto, há ainda um motivo humano, congruente com a decisão sadia, de fundo religioso, de manter a distinção forte e universal entre o certo e o errado. É um consenso científico bem estabelecido que o erro é fundamental no processo de aprendizado. De acordo com estudos da neurociência, o cérebro aprende melhor quando é desafiado. Ao encontrar um erro, ele entra em um estado de alerta, revisa o caminho que levou à resposta incorreta e busca corrigi-lo. Ao enfatizar a gravidade do pecado, a Igreja, na dimensão omniabarcante da ética, potencializa esse aviso. 

Esse processo ativa o córtex pré-frontal, a região do cérebro associada à análise de problemas e tomada de decisões. Quando o cérebro enfrenta erros e se corrige, ele forma conexões neuronais mais fortes, que ajudam a consolidar o aprendizado. Essa abordagem baseada em erros é conhecida como feedback negativo, que se mostrou mais eficiente em promover o aprendizado do que um simples reforço positivo contínuo. 

Note-se que, para o erro valer alguma coisa, é necessário uma resposta negativa, o que, no âmbito moral, traduz-me por um arrependimento. O sacramento da confissão, assim, pode ser visto como uma celebração sobrenatural da tomada de consciência de um erro moral como tal. 

O erro, portanto, é bom, desde que acompanhado de uma resposta negativa. A França, cujos erros estarreceram o mundo na Revolução Francesa,  celebra essa descoberta neurocientífica através de um Festival de Erros, Le Festival des Erreurs, em que os participantes revelam as falhas bem-vindas no percurso que a levaram ao sucesso e ao aprendizado. Essa blogue não está em condições, no momento, de averiguar em que cidade da pátria de Joana d'Arc ocorre essa festa, mas assegura, com base em testemunhos fidedignos, que ela existe.

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