A Tal da Filosofia do Direito
Uma perda de tempo necessária é procurar uma definição de filosofia do direito. Seria impossível, todavia, chegar a uma definição que abarcasse tudo o que já se escreveu sob esse rótulo. Antes, convém uma delimitação crítica do que seja a tal da filosofia do direito, mesmo que isso deixe de fora tentativas de pensar radicalmente a experiência jurídica que não lograram êxito.
Essa delimitação, todavia, não arranca de um dado apriorístico. Não há, antes da experiência, uma ideia absoluta de direito que seria o objeto da filosofia jurídica, senão que é da realidade tal qual experimentada que surge o pensamento último e profundo sobre o direito e a justiça. Isso não significa, porém, que a filosofia do direito não tenha um objeto formal, que unifica as várias modalidades de conhecimento que a compõem.
De fato, na filosofia jurídica encontramos conhecimentos sobre a lógica, sobre o mundo físico e biológico, sobre a sociedade, sobre a ética social, sobre a antropologia, sobre axiologia... Esses saberes, porém, não se encontram dispersos, mas sim convergem para a unidade dada pelo objeto formal. E esse objeto formal é intuído como uma perspectiva jurídica, cujo entendimento decorre da definição do próprio direito como um dar a cada um o que é seu. É sob esse aspecto específico que o jurista vê a realidade e é a partir dele que o filósofo do direito o pensa nos seus últimos termos.
A ciência jurídica também pensa o direito, mas fica aquém. Não a anima a pretensão nobre de galgar os degraus necessários a uma visão total e íntima do jurídico. Ela fica adstrita à realidade jurídica tal qual positivada e formalizada. A causa de uma obrigação de pagar quantia certa, por exemplo, a ciência jurídica a identifica numa sentença condenatória, sem ir além. Trata-se de uma causa próxima, cujo conhecimento, porém, não é satisfatório.
A propósito, um erro bastante difundido é alijar da ciência jurídica o direito natural, reservando-o e às vezes confundindo-o com a filosofia do direito. Pelo contrário, o estudo direito natural, tal como foi visto na maior parte da história, inscreve-se também nesse âmbito científico. Tal equívoco decorre de uma redução do conceito de direito natural às elucubrações racionalistas modernas, que autonomizaram a disciplina. Com o historicismo e o positivismo, ter-se-ia abandonado o direito natural, e se teria começado falar, então, ao invés dele, em filosofia do direito. Essa suposta origem recente do saber filosófico sobre o direito, porém, é falsa.
Em sentido oposto ao desse modo de ver, um traço marcante da teoria clássica do direito natural é a sua inserção no direito vigente. Não o concebiam à parte das normas positivadas, mas sim dentro delas a compilação de Justiniano e a obra dos glosadores, dos comentadores, dos juristas do humanismo jurídico e dos juristas posteriores até o final do século XVII. Estamos falando de um direito alegável perante os tribunais, fator de interpretação das leis promulgadas e ajuda na busca pela solução justa, qualidades que não se podem predicar do direito natural, por exemplo, de um moderno como Hobbes.
A filosofia do direito pode se dedicar ao estudo da ciência jurídica, isto é, tanto ao do direito natural como ao do positivo, sem que nenhuma dessas modalidades do mesmo direito a esgotem. Entre a práxis e a especulação, essa parte da filosofia se posiciona, sem dúvida, mais próxima da primeira. É interessante, notar, porém, que a filosofia do direito não se encontra no topo de uma linha contínua vertical em que, lá embaixo, estaria a arte do juiz ou do advogado e, no meio, a ciência do professor universitário e do tratadista. Embora seja prática na sua intencionalidade, a filosofia do direito não constrói o direito, como o fazem, mais ou menos, seus operadores e professores. Sua missão não é fazer, mas sim conhecer a realidade jurídica, podendo, não obstante, fornecer elementos para a crítica e a melhoria dos instituições históricas.