A Arte de Decidir Rápido

 

Descobrir o sexo dos pintinhos é fundamental para dispensar desde o começo um tratamento diferenciado às galinhas futuras, que produzirão ovos, e os futuros frangos, que serão cevados e abatidos. O curioso sobre essa heurística dos sexos avícolas, no entanto, é que não se trata de uma atividade consciente. Os sexadores de pintinhos, depois de imersos nos seus afazeres e de finalmente desempenhá-los com sucesso, não sabem explicar racionalmente os padrões visuais que eles identificam como masculinos ou femininos. Eles simplesmente sabem. 

Daí que sexar pintinhos seja uma arte. Justamente por ser algo intuitivo e dispensar tempo de reflexão, o número de pintinhos separados em machos e fêmeas por um desses operários do sexo, no sentido mais puro do termo, pode chegar a 1500 por hora com 95% de acerto. Essa celeridade impressionante faz pensar se um aprendizado iconsciente como esse seria interessante também em atividades onde há, cada vez mais, uma demanda por rapidez, que pode ter diversas origens, desde a busca por entreterimento proporcionado por uma blitz de xadrez, até a busca por uma justiça que não tarda, que mais nos concerne aqui.  

No campo jurisdicional, no entanto, é notável que, quanto mais célere se pretende uma decisáo, maiores são os perigos de deficiência na fundamentação. Esse risco diminui, porém, na medida em que se está diante de processos repetitivos, em que as mesmas questões, resolvíveis pelos mesmos critérios, viram rotina no gabinete e no cartório judiciais. Aqui já não se aplica o ars longa, vita brevis, uma vez que a arte de decidir se torna veloz porque intuitiva, pelo menos na medida em que a atividade é repetitiva. 

Essa medida, porém, quase nunca abarca todo o o caso levado à decisão de um juiz. Em outras palavras, a atividade jurisdicional praticamente nunca é só discussão sobre o sexo dos pintinhos... Em algum momento, seja no gabinete, seja no cartório, as singularidades do caso concreto se tornarão salientes, e um trabalho menos automático será necessário para lhe definir os contornos. Muitas vezes, a atividade mais lenta será a do gabinete, mas nem sempre é assim...

Numa lide de alimentos, por exemplo, a homologação de um eventual acordo é rápida, e pode ser feita com um atenção superficial a alguns de seus termos, como a qualificação das partes, ainda que estas sejam sempre únicas.  Essa própria qualificação, no entanto, não pode passar despercebida pelo cartório, que não pode trocar o alimentante pelo alimentado. O mesmo acontece com a distinção entre os casos de presença ou ausência de vínculo empregatício. O gabinete somente verifica se está prevista no acordo. Mas compulsar os autos para acertar se, naquele momento do caso concreto, o alimentante está ou não com a carteira de trabalho assinada, é uma tarefa mais reflexiva que recai sob a responsabilidade do cartório, que digitará o ofício. 

Uma vez, pois, distinguidas essas atividades repetitivas do resto do trabalho jurisdicional, cabe a pergunta: como formar os operadores do direito para desempenhá-las com celeridade? É necessário uma experiência intensa e profunda intervalada somente por avaliações imediatas. Essa resposta, quem no-la deu a nós, grandes servidores da justiça, foram os pequenos sexadores de pintinhos. 

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