Tratado de Allahabad


A competência tributária configura uma das expressões mais categóricas da soberania estatal, cuja raiz última, em regimes democráticos, reside na vontade do povo. No contexto do direito público, o Direito Tributário é informado pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, que traduz a impossibilidade de renúncia ou alienação de prerrogativas estatais essenciais. Entre essas prerrogativas figura a arrecadação tributária, meio pelo qual o Estado obtém os recursos necessários para a manutenção dos serviços públicos e a consecução de suas finalidades.

A vinculação entre soberania popular e tributação encontra formulação conceitual no princípio do no taxation without representation, cristalizado nas revoluções liberais do século XVIII. Esse princípio traduz a exigência de que a tributação esteja subordinada a controle democrático, sendo administrada por entes estatais representativos da coletividade. A delegação da competência tributária a particulares implicaria uma corrosão desse vínculo fundamental, na medida em que significaria a alienação de um poder que, por definição, pertence exclusivamente ao Estado.

Esse entendimento encontra ressonância no direito positivo brasileiro, especialmente no artigo 7º do Código Tributário Nacional (CTN), que veda a delegação da competência tributária. Embora admita a delegação de funções auxiliares, como arrecadação e fiscalização, tal atribuição somente pode ser conferida a pessoas jurídicas de direito público. Essa restrição decorre da própria natureza da tributação: um instrumento de captação compulsória de riquezas privadas para o financiamento da coletividade, cuja gestão não pode ser deslocada para entes privados, sujeitos a interesses distintos dos estatais.

A despeito dessa premissa, a história registra episódios em que o poder fiscal foi, de fato, transferido a particulares, comprometendo a essência da tributação como manifestação da soberania estatal. Um exemplo notório é o Tratado de Allahabad (1765), pelo qual a Companhia Britânica das Índias Orientais obteve o direito de arrecadar tributos em nome do Império Mongol. Ainda que formalmente desprovida da prerrogativa de instituir tributos ou fixar alíquotas, a Companhia detinha o controle sobre a arrecadação e apropriava-se de parcela significativa dos valores coletados, remetendo apenas uma fração ao imperador. Esse arranjo constituía, na prática, uma privatização da função arrecadatória, subordinando a soberania fiscal do Império Mongol a uma entidade mercantil privada.

A transposição de tal modelo para o Brasil contemporâneo configuraria um cenário de absoluto desvirtuamento da tributação. A mera hipótese de privatização da Receita Federal e de concessão a uma empresa privada do direito de arrecadar tributos desnaturaria a própria noção de soberania fiscal. O tributo, que se caracteriza como a destinação pública de uma fração da riqueza privada, perderia seu caráter público caso tal fração passasse a ser apropriada por um ente privado. Nesse contexto, a indisponibilidade do interesse público restaria violada, e a estrutura fiscal do Estado sofreria uma corrosão irreversível.

Conclui-se, portanto, que a competência tributária não apenas representa uma emanação direta da soberania estatal, mas também constitui um atributo intransferível da estrutura do Estado. Sua gestão deve permanecer rigorosamente circunscrita ao domínio público, sob pena de comprometer não apenas a legitimidade da arrecadação, mas a própria integridade do pacto político subjacente ao sistema fiscal. O precedente histórico do Tratado de Allahabad serve como alerta contra a erosão dos limites entre poder público e interesses privados na gestão fiscal, evidenciando os riscos inerentes à transferência de prerrogativas tributárias a agentes não estatais.

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