A Economia da Verdade em Judite
Dizer a verdade, em termos simples, constitui uma virtude, sendo seu vício oposto a falsidade intencionalmente proferida para enganar. No entanto, em circunstâncias extremas, como no caso de um indivíduo que busca ocultar judeus da perseguição nazista, torna-se meritório resguardar a verdade. Estritamente falando, o sujeito moral, nesse contexto, não mente, mas impede que a verdade seja revelada a quem não tem direito a conhecê-la. Ocultar a verdade, de fato, não é um eufemismo para mentir. São atos de natureza distinta. Mentir é afirmar propositalmente o falso para induzir ao erro; ocultar a verdade é reter uma informação de quem não tem legitimidade para acessá-la.
No caso do nazista que interroga sobre judeus escondidos, o sujeito moral adota uma posição passiva: sua ação se restringe a impedir o acesso à verdade para proteger inocentes. Meu objetivo, porém, é examinar uma situação ainda mais complexa: a de Judite. Ao contrário do exemplo anterior, Judite age de maneira ativa para aniquilar Holofernes, valendo-se de uma sofisticada economia da verdade.
O capítulo 11 do Livro de Judite retrata o diálogo em que a heroína, por meio de sua retórica, conquista a confiança de Holofernes antes de executar sua decapitação. O texto é permeado por signos ambíguos, suscetíveis a uma dupla interpretação. Para Holofernes, Judite se apresenta como uma desertora de Israel, traidora de seu próprio povo. No entanto, para a própria Judite e para o leitor cristão, suas palavras são expressão dos desígnios divinos para a libertação de Israel, concretizados pela sagacidade de uma mulher.
Um exemplo dessa estratégia pode ser encontrado na seguinte passagem, uma fala de Judite a Holofernes: "Unde ego ancilla tua, cum cognovissem haec omnia, refugi a facie eorum, et misit me Deus facere tecum rem, in qua mirabitur tota terra, quicumque audierint ea." A qual pode ser traduzida mais ou menos assim: "Por isso, eu, tua serva, ao conhecer todas essas coisas, fugi da presença deles, e Deus me enviou para realizar contigo um feito pelo qual toda a terra se maravilhará ao ouvi-lo."
O termo haec omnia - todas essas coisas - refere-se aos pecados de Israel. Judite, ciente da irrevogabilidade da eleição divina sobre seu povo, compreendia que nenhum pecado poderia extinguir o amor de Deus. Todavia, sabia também que esse amor poderia se manifestar sob a forma de castigo para melhora do amado. É essa concepção que ela instrumentaliza a seu favor. Seu objetivo é levar Holofernes a crer que Israel, por seus pecados, está fadado à punição – o que, em si, não é falso –, embora isso não implique, necessariamente, que Holofernes fosse o executor dessa punição. Afinal, como afirma Deus em outra passagem, não revelada por Judite: "Minha é a vingança" (Dt 32,35).
Holofernes, porém, interpreta as palavras de Judite de modo errôneo. Ele as compreende nos seguintes termos:
1. Judite coloca-se como sua serva submissa, disposta a cumprir suas ordens, ainda que impliquem a aniquilação de Israel.
2. Ela abandonou seu povo para aliar-se ao exército inimigo.
3. A união entre ambos será um evento extraordinário, conferindo glória e poder a Nabucodonosor.
Contudo, Judite – assim como o leitor atento – tem plena consciência de que:
1. Ela serve a Holofernes apenas para conceder-lhe o que lhe é devido: a morte.
2. Não abandonou seu povo, mas o deixou estrategicamente para confrontar o inimigo com astúcia.
3. O feito que causará assombro não será a submissão de Israel, mas sim a vitória obtida pela prudência feminina.
As palavras de Judite no capítulo 11 são propositalmente equívocas, permitindo tanto a interpretação de Holofernes quanto a da heroína e do leitor. Sua economia da verdade consiste, assim, em revelar tudo para si mesma e nada para seu interlocutor. Tal expediente radical se justifica em contextos excepcionais e antecipa, de maneira exemplar, a síntese entre a prudência da serpente e a pureza das pombas (Mt 10,16).