Democracia e Legitimidade
O estudo da semiótica nos permite diferenciar três elementos fundamentais na estrutura da significação: o significante, o signo e o significado. O significante é aquilo que gera o signo; o signo, por sua vez, é aquilo que remete a um outro; e o significado é este ato ou ente referido pelo signo. Essa distinção é crucial para evitar confusões interpretativas ao longo de cadeias semióticas complexas, especialmente quando lidamos com processos normativos e legislativos.
O ato de significar não é um processo estanque, mas sim recursivo. Ou seja, um signo pode ser significado por outro signo, criando uma rede de referências sucessivas. No entanto, essa cadeia de significações não deve obliterar o núcleo do ato significado último, pois, do contrário, corremos o risco de nos perder em um labirinto de signos, onde a referência ao mundo concreto se dilui em abstrações autorreferentes.
Tome-se como exemplo uma deliberação parlamentar que tenha por objeto a regulação dos casos de permissão e punição da violência letal entre indivíduos. Nesse contexto, o signo central é a palavra "homicídio", enquanto o significado nuclear é o ato físico de tirar a vida de um ser humano. O legislador, ao criar normas sobre homicídio, atribui-lhe qualidades jurídicas que estabelecem sua permissão, proibição ou punição em determinados contextos. Qual o critério, porém, para separar o joio do trigo nessas deliberações parlamentares?
Para que esse debate ocorra, é necessário retirar de jogo a metafísica e adotar um terreno comum de diálogo com diversas cosmologias da praça pública. Desse modo, não vamos considerar aqui que o ato físico de matar contenha, por si mesmo, a sua própria permissão ou proibição. A extração direta de valores normativos de fatos empíricos constituiria um erro categorial, amplamente reconhecido como a falácia naturalista.
Contudo, é necessário distinguir cuidadosamente o que essa falácia de fato repreende. Ela censura a tentativa de extrair a licitude ou ilicitude diretamente do ato significado, isto é, do homicídio enquanto fato bruto. Entretanto, a falácia naturalista não opera no mesmo sentido sobre a deliberação parlamentar que normatiza esse fato. A deliberação legislativa é, na estrutura semiótica comum, um signo e significante, jamais um significado. Logo, a falácia naturalista apenas impede que o legislador busque no fato bruto o predicado de sua bondade ou maldade; ela não impede que a deliberação normativa seja, em si mesma, um ato significante que estabeleça valores jurídicos. Só o que a falácia naturalista diz é que essa valoração pode ser um tanto arbitrário.
É aqui que, a meu ver, mora a confusão do argumento crítico da democracia como ato único legitimador da bondade ou maldade, por exemplo, do homicídio. De fato, depois de Hitler, a democracia não pode mais ser a origem do bem e do mal. No entanto, falta perspecuidade à crítica segundo a qual essa democracia legitimante total, que deu ocasião ao nazismo, incorreria igualmente na falácia naturalista. Esse argumento se embaralha ao confundir as instâncias semióticas envolvidas. Do ponto de vista do cidadão comum, a deliberação parlamentar não é o significado; ela é o signo e o significante que estruturam o campo normativo. Assim, a falácia naturalista incide sobre o ato bruto, despojando-o do seu interior ético, e não sobre a deliberação legislativa. Desse modo, a valoração normativa do homicídio, tal como promovida pelo legislador, não se confunde com o erro categorial da falácia naturalista, pois não busca no fato sua própria valoração, mas sim a estabelece a partir de um processo normativo autônomo.
Se, porém, ao invés da perspectiva do cidadão comum, adotamos aquela do constituinte ou fundador de uma ordem jurídica, que precisa escolher, dentre os fatos sociais, quais serão fonte do direito positivo, então, sim, é possível considerar o consenso ou procedimento democrático como fatos significados, e não só como significantes. Nesse sentido, é procedente e inteligível a crítica segundo a qual a democracia como legitimadora universal seria condenada, tal qual uma cobra que toma o próprio veneno, como uma falácia naturalista. Sobra, porém, ainda a pergunta: qual o critério para valorar o consenso ou procedimento democrático valorantes? A meu ver, o problema é insolúvel nesse mundo de sombras em que vivemos, mas sua mitigação passaria, sem dúvida, pela autoridade.