Entes Queridos na Escatologia
A fé católica nos ensina a pegar o touro pelo chifre, ao invés de evitar o choque. Através dela, somos levados a encarar a existência com realismo, enfrentando suas questões últimas sem subterfúgios ou eufemismos. Em vez de evitar o confronto com a verdade, ela nos impele a uma abordagem destemida, onde a razão e a revelação se conjugam para iluminar os dilemas fundamentais da vida e da morte. As lições cristãs não se contentam com paliativos nem se reduzem a especulações abstratas; ao contrário, vão ao cerne da condição humana, revelando diretrizes para a ordenação correta da existência e a consecução de seu fim último. Embora nunca deixando de lado a razão, algumas vezes essa doutrina ultrapassa e muito a extensão da experiência humana.
Esse é precisamente o âmbito da escatologia, a disciplina teológica que trata das realidades últimas: céu, inferno e purgatório. Longe de constituir um exercício de fantasia ou mera curiosidade, a escatologia desempenha um papel normativo na vida do crente, fornecendo critérios para a reta ordenação do presente à luz da eternidade. O propósito da revelação sobre o além não é oferecer um relato exaustivo da vida após a morte como se fosse um drama a ser degustado, mas sim proporcionar ao homem um horizonte que lhe permita orientar-se para o melhor destino final possível.
É dentro dessa estrutura que me lanço a responder uma questão que, curiosamente, me foi apresentada recentemente por duas mulheres que não se conheciam, e que, indiretamente, descobri ser compartilhada por muitos outros. Considerando minha relativa reclusão e pouca sociabilidade, surpreende-me a recorrência dessa perplexidade: ao morrermos e, pela graça de Deus, sermos admitidos no céu, poderemos reencontrar nossos entes queridos?
A resposta a essa indagação exige um método adequado. O ponto de partida deve ser a própria experiência eclesial da fé cristã. O homem não se relaciona com Deus de maneira isolada; ele é membro da Igreja, ecclesia, assembleia convocada por Deus, comunhão de pessoas unidas pelo vínculo sobrenatural da graça. Essa estrutura comunitária da relação com Deus não é uma contingência histórica, mas um reflexo da própria natureza trinitária divina, na qual ser é relação. A eternidade, portanto, não se configura como uma solidão metafísica, onde cada pessoa subsistiria isoladamente diante de Deus, mas como uma realidade eminentemente comunitária, onde o nós humano se insere no Nós divino. Nesse contexto, reencontraremos aqueles que verdadeiramente nos foram entes queridos, desde que essa expressão seja corretamente compreendida.
Querer autenticamente alguém significa amá-lo em Cristo, o que implica não apenas a estima natural, mas sobretudo o empenho na salvação desse outro. Amar em Cristo é desejar que o outro alcance a bem-aventurança eterna e, para isso, empregar os meios humanos e sobrenaturais que favoreçam esse fim. Se não amamos dessa maneira, nosso amor permanece imperfeito. Contudo, o amor não se impõe; exige resposta livre. Assim, se alguém, apesar de ter sido amado com esse amor, não alcança a salvação, isso se deve à sua recusa em corresponder a essa dinâmica de caridade. A reciprocidade, ainda que não condicione o amor divino, é inerente ao amor humano. Deus nos ama primeiro, mas nós, ao fim e ao cabo, amamos juntos.
(Nesse sentido, quando o poeta W. H. Auden afirma: If equal love cannot be, let the more loving one be me -"se um amor igual não pode haver, que eu seja aquele que mais ama"-, enuncia uma ação que, em última instância, só poderia ter Deus como sujeito. Deus é sempre aquele que ama primeiro e mais plenamente.)
No céu, portanto, reencontraremos aqueles que verdadeiramente amamos, desde que esse amor tenha sido vivido na lógica humana do amor cristão e tenha, assim, encontrado reciprocidade. A eternidade não nos privará das relações que foram santificadas em Cristo; antes, será a plenitude dessas relações, na medida em que refletem a comunhão perfeita que une os eleitos ao próprio Deus. Assim, se desejamos reencontrar nossos entes queridos na eternidade, resta-nos uma única opção: amá-los com o amor que transcende o tempo e perdura para sempre, o amor que tem sua fonte e consumação em Deus.