Família: Ontem, Hoje e Amanhã
O juízo de que a
família como base da sociedade parte de um conceito defasado, que deveria ser abandonado, é uma
falácia naturalista travestida de sofisticação acadêmica. Não se pode negar que
a ideia de família mudou ao longo dos
séculos, e que o modelo tradicional, foi, em muitos contextos, substituído por arranjos mais
fluidos. No entanto, não é porque a dissolução da unidade familiar é um
fenômeno observável na sociedade de hoje que isso deve ser aceito como um dado
inquestionável do progresso humano. O que é, de fato, a família?
Ora, esse é um ponto que gera incompreensão recíproca entre
duas correntes que se olham como se pertencessem a espécies distintas. De um
lado, os que veem a família como um último reduto sentimentalista, um casulo
onde os indivíduos podem ser autênticos e espontâneos, livres das imposições da
vida social e profissional. Para esses, a família é quase um spa emocional,
onde cada um se refugia para recuperar as energias antes de retornar ao mundo
hostil. De outro lado, estão os que insistem em uma concepção clássica da
família como espaço da vida religiosa, econômica e social do
indivíduo. Para estes, a ideia de que a casa é apenas um local de descanso é
tão absurda quanto imaginar um convento sem oração, um mercado sem mercadorias
ou uma monarquia sem rei.
Portanto, a família, em seu sentido clássico, é um organismo complexo onde se conjugam diferentes dimensões da existência humana. Nela, não apenas se transmitem a cultura e os valores, mas também se organiza a produção e o consumo, se educam as crianças e se estabelecem laços de reciprocidade e obrigação. Em contextos greco-romanos, a casa não era apenas um espaço de afeto, mas um centro produtivo onde o trabalho e a vida estavam imbricados. A família era, de fato, a instituição primeira da formação do caráter e da regulação da vida coletiva.
Já no modelo liberal, a família foi reduzida a um mero refúgio individualista. O lar se tornou um espaço privado por excelência, onde os indivíduos, esgotados pelo mercado e pela burocracia, se recolhem para praticar sua liberdade subjetiva, muitas vezes alienados de qualquer responsabilidade social mais ampla. O laço entre os membros da família tornou-se mais frágil, pois a relação deixou de ser fundada em funções e papéis objetivos para se estruturar exclusivamente na afinidade emocional momentânea. Nesse modelo, a família não é mais uma estrutura ordenadora da sociedade, mas um mero intermezzo na vida pública.
É inegável que o sentido clássico é mais próximo da concepção que almeja ser base da sociedade. Porém, se a defesa da família pretende ter alguma relevância, ela não pode ser uma simples repristinação do passado, seja na sua versão clássica e muito menos na mais próxima dos dias atuais. O argumento pró-família deve levar em conta as transformações tecnológicas e os novos arranjos sociais, que cada vez mais se precipitam um sobre o outro, de modo a permitir o fortalecimento da pessoa num certo núcleo densificado pelo amor. Em vez de ver a família apenas na perspectiva clássica ou liberal, ambas tributárias de uma mentalidade espacial, concreta demais, deve-se pensar nela como uma estrutura geral personalizadora, onde a liberdade se desenvolve em harmonia com uma ordem que não é imposta pela força, mas sugerida pela caridade.
O que significa, de fato, dizer que a família é a base da sociedade, se não que todos os elementos sociais devem se integrar num ambiente fraterno, no qual a pessoa possa florescer sem impedimentos artificiais? Sem dúvida, é no núcleo familiar cristão que o indivíduo aprende essa lição, cujos influxos, porém, devem se estender também às outras esferas da coletividade. A família é a escola de uma caridade que deve transbordar até a praça pública.