A Inclusão no Templo


O primeiro ensaio de Faith Beyond Resentment, de James Alison, propõe uma ética da inclusão que, à primeira vista, encontra seu lugar próprio não no seio da Igreja como instituição divina, mas no século, isto é, na ordem temporal, histórica e contingente, distinta da eternidade que aquela Igreja tem a missão de anunciar e administrar. Esta constatação, desde logo, não implica uma negação de sua origem cristã — pelo contrário, a ética da inclusão só é possível como fruto maduro do cristianismo encarnado, mas é exatamente por isso que floresce melhor fora dos limites da instituição eclesiástica. No mundo, ela pode operar prodígios sociais e jurídicos, dando substância à noção de moralidade pública como algo autônomo em relação à moral religiosa, ainda que enraizado, de modo subterrâneo e eficaz, no solo evangélico, do qual não pode ser desterrada. 

Essa opinião, contudo, exige um exame mais rigoroso. Seria ela mesma um discurso sacrificial? Estaria eu, ao excluir a ética da inclusão da Igreja e relegá-la ao mundo, agindo como Pilatos ao lavar as mãos — gesto que, embora formalmente neutro, serviu à exclusão do inocente? Em outras palavras: ao fechar a ética da inclusão no mundo secular, preservando a Igreja de sua influência, não estaria eu reiterando a lógica que Alison e Girard denunciaram — a lógica da exclusão redentora?

O discurso sacrificial, conforme a matriz girardiana, é aquele que, consciente ou inconscientemente, identifica um bode expiatório cuja exclusão restauraria uma ordem ameaçada. Não é necessário que haja violência explícita; basta que o gesto, ainda que simbólico, ainda que elegante, funcione como exclusão eficaz. Assim, até o gesto de Pilatos — que se apresenta como recusa da violência — torna-se, no fundo, um ato sacrificial. Ele não mata, mas consente. Ele não acusa, mas legitima. E com isso contribui para a manutenção da ordem pública, ao custo do sangue inocente.

É nesse ponto que se impõe uma autocrítica. Ao relegar a ética da inclusão ao mundo secular, não estou eu, talvez, expulsando-a do templo para proteger a sacralidade do culto? E se o verdadeiro culto, como sugerem os profetas, for precisamente o acolhimento do estrangeiro, do mutilado, do impuro — aqueles que a exclusão sacrificial tradicionalmente retira do espaço sagrado para preservar sua "pureza"? A pergunta se complica quando se recorda um ensinamento central de Alison: à luz da palavra de Deus, somos simultaneamente algozes e vítimas. O fariseu e o cego curado estão em nós. Assim, o gesto de análise se volta contra si: a aceitação apenas em termos de uma crítica ao sacrifício pode, ela mesma, ser sacrificial, na medida em que busca excluir para preservar um certo tipo de ordem — ainda que a ordem seja a eclesiástica, e a exclusão seja feita em nome de uma suposta coerência moral. 

Trocando em miúdos: qual a influência legítima da ética secular da inclusão na Igreja que, ao enunciar minha opinião de maneira acrítica, eu buscaria barrar? De cara, o que se perde, ao se excluir a ética da inclusão do horizonte eclesial, que é tão vasto quanto o universo, não é apenas um projeto pastoral contemporâneo, mas um princípio metafísico: a bondade radical de tudo o que é criado. Esta bondade, fundada no fato de que o mundo foi feito por Deus, foi frequentemente velada pelo imperativo da fuga mundi, tão presente em certas espiritualidades religiosas. Assim, o mundo criado — com sua diversidade, ambiguidade e liberdade — passa a ser visto não como um dom, mas como uma ameaça. A ética da inclusão, ao contrário, reafirma essa bondade ontológica, reforçando no discurso cristão a dignidade intrínseca de todo ser humano, simplesmente por ter sido criado.

Mais ainda: ela propõe uma reordenação do mundo desde dentro, não por imposição de um modelo celestial que caia como um raio sobre nossa realidade cotidiana, mas por um movimento que, como o de Cristo, abaixa-se para levantar o outro. Trata-se de um processo de redenção que não se faz pela violência, mas pela liberdade. Não pela exclusão, mas pela hospitalidade. Mas esta hospitalidade, para ser autêntica e una, ainda que deva começar, sim, pelos leigos no mundo criado, não pode deixar de reverberar dentro da própria Igreja e de seus ministros através de atitudes de respeito e cordialidade para com os não-católicos. Do contrário, a doutrina moral teria que se resignar a permanecer como mais uma estratégia sacrificial de autopreservação institucional de uma Igreja, por isso mesmo, paralela. 

Aceitar o influxo da ética da inclusão dentro da Igreja, porém, não significa negar a identidade católica nem sua estrutura sacramental, nem sua vocação de árbitra entre o humano e o divino, mas reconhecer que esta arbitragem, se for cristã, só pode ocorrer na esteira do Cordeiro que tira o pecado do mundo sem sacrificar ninguém. Não advogo secularizar a Igreja, cujos ensinamentos sobre moral universal devem continuar os mesmos.  Não se trata, portanto, de operar o sacrifício contrário da tradição no altar da contemporaneidade. 

O que defendo é que, preservando as ideias claras de sempre, não se deve ter medo ao risco da confusão prática, da tensão entre a tradição e a novidade, entre dogma e a escuta. E isso porque esse é o mesmo risco que Deus correu ao criar um mundo livre — e ao habitá-lo, sem coagi-lo. Ao fim, talvez a grande pergunta não seja se a ética da inclusão é compatível com a Igreja, mas se a Igreja pode, sem ela, continuar a ser cristã no mundo.

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