A Igreja Católica e as Outras
A bênção recentemente recebida pelo Padre Júlio Lancelotti de uma mãe de santo reacendeu um debate perene acerca do dogma católico do extra Ecclesiam nulla salus — fora da Igreja não há salvação. Trata-se de um tema que sempre me foi especialmente caro. Não detenho formação teológica formal, e o que aqui exponho não pretende ostentar o peso do magistério sacerdotal. Estas são, antes, considerações de um católico leigo, ouvinte e leitor de homilias, guiado mais pelo sensus fidei do que por pretensões sistemáticas.
Gostaria de partir de uma distinção essencial: o escopo da pregação pastoral sobre a salvação, isto é, o conteúdo dirigido às consciências por meio da proclamação ordinária e do testemunho dos fiéis, não se confunde com a doutrina e especulação eclesiais, cujo horizonte é necessariamente mais vasto. A doutrina admite, em seu desenvolvimento teológico, a noção do "cristão implícito" ou "anônimo" — aquele que, por sincera busca da verdade e reta disposição da vontade, participa invisivelmente da Igreja, embora não a integre visivelmente. Nesse sentido, a doutrina pode estender-se com a amplitude de um oceano. A pregação e o exemplo, todavia, devem conservar a sobriedade que lhes é própria, recordando que o caminho da salvação é, segundo o próprio Evangelho, estreito e exigente.
A homilia dominical, a catequese ordinária ou mesmo o exemplo dos sacerdotes e leigos não se destinam, pois, a desenvolver especulações sobre o cristão implícito, salvo quando o fazem como advertência contra o juízo temerário — a imprudência de condenar ao inferno, em foro externo, quem apenas Deus pode julgar em foro íntimo. Pelo contrário, essas fontes de luz devem recordar que a salvação, no interior da Igreja, não se reduz a um mero estado de espírito ou disposição subjetiva. Ela se estrutura sacramentalmente: os sinais visíveis da graça, instituídos por Cristo, constituem o caminho ordinário da redenção. O batismo, a eucaristia, a penitência — estes são os canais objetivos da vida divina, não as meras analogias internas.
Podemos, pois, formular duas acepções do princípio extra Ecclesiam nulla salus: uma noção forte e uma mitigada. A formulação forte aplica-se àqueles que, com plena consciência e vontade deliberada, rejeitam ou abandonam a comunhão da Igreja — e, para tais, o afastamento pode importar na exclusão da salvação. Já a formulação mitigada, conforme a doutrina desenvolvida acolhida no Concílio Vaticano II, reconhece que os que se encontram fora da Igreja sem culpa própria — por ignorância invencível, por deficiências históricas na evangelização — podem, sob certas condições, alcançar a salvação.
Entretanto, mesmo reconhecendo essa possibilidade, não se deve, a meu ver, fazer dela instrumento de acomodação pastoral ou justificativa para o abandono do dever apostólico. O fato de alguém poder ser salvo fora da comunhão visível com a Igreja não exime o fiel católico da responsabilidade grave de anunciar, com clareza e caridade, pelo exemplo e pela palavra, os meios ordinários da salvação. Pelo contrário: a existência de um caminho seguro e sacramentalmente ancorado torna ainda mais urgente a tarefa de conduzir os outros a ele.
A esse respeito, é particularmente eloqüente a imagem tradicional evocada por São Cipriano, segundo a qual a Igreja se assemelha à Arca de Noé: “Se alguém tivesse escapado do dilúvio fora da Arca de Noé, então admitiríamos que quem abandona a Igreja pode escapar da condenação.” Como ouvinte de homilias e espectador das vidas que se santificam ou não, parece-me mais edificante recordar com vigor a indispensabilidade da Igreja como meio ordinário de salvação, ainda que se reconheça — de modo acidental e expressamente contra o juízo temerário de condenação — a exceção possível do cristão implícito. Essa lembrança, sem dúvida, é mais formativa do que a graça transformada em açúcar de um ecumenismo sem dogma.