Controversiae Franciscanae
O Papa Francisco será sempre o nosso dear old boy argentino, que chegou ao trono de Pedro com ares de tio bonachão e coração de menino levado. Desde o início, já se percebia que ele não seguiria exatamente o manual de bons modos da sacristia: sorriu diferente, falou estranho, quebrou o protocolo como quem pula o muro da escola para soltar pipa. Com ares de inocência travessa, Bergoglio soube como ninguém transformar o Vaticano num terreno fértil para disputas teológicas e debates calorosos. Vamos revisitar aqui, rapidamente, duas das maiores travessuras desse pontificado: a explosiva Amoris Laetitia — que já fez conservadores se benzerem com água benta turbinada — e, mais recentemente, a bênção pastoral de casais do mesmo sexo...
Amoris Laetitia
A Amoris Laetitia me parece um exercício contraditório de epiqueia generalizante, fadado, pois, ao fracasso. As singularidades das uniões irregulares, se não podem ser tratadas em tipos gerais canônicos, dificilmente seriam passíveis de um tratamento universal numa encíclica para toda a Igreja. Muito para além da mera lógica, porém, trata-se de um documento que exorta a buscar a ovelha distante do redil, que vai até a porta do inferno para recuperar o que parecia estar perdido. Esse esforço de inclusão é louvável, ainda quando não logrado.
O valor da encíclica, assim, está menos na sua eficácia normativa geral (que tem tudo para ser o mais limitada possível), e mais em sua tentativa de deslocar o centro do desejo: do cumprimento formal da norma para a reconciliação com o Pai através do olhar do Filho, que “não quebra a cana rachada nem apaga o pavio que fumega” (cf. Is 42,3). O que fica, em última análise, é o propósito de redirecionar os modelos de imitação para o Cristo não como juiz, mas como médico.
A Benção Pastoral de Casais Homossexuais
Uma benção devia ser dada sobre algo no mínimo indiferente. Uma união entre pessoas do mesmo sexo, de um ponto de vista objetivo, não supera os requisitos nem para ser indiferente. Fiducia Supplicans, no entanto, traça uma linha divisória entre os requisitos para se receber os sacramentos e aqueles para se receber uma benção, descendo o nível da exigência para essas.
Mais uma vez, é expressada a rejeição contra a ideia de regular tudo por normas e ritos gerais, e se confia o assunto à prudência pastoral. Essa atitude antissolenidade é mais uma manifestação da revolução da proximidade, tendo como efeito evitar, com um gesto mais simbólico que jurídico ou moral, que um conflito entre católicos e infiéis escale em prejuízo de todos. O católico, graças ao novo documento, deixa de ser um modelo-obstáculo para os gays. A rivalidade, então, é substituída por uma mímese proficiente, em que ambos os sujeitos podem desejar um bem não escasso como são as bençãos.