Eva no Divã
A rivalidade mimética é um processo profundamente enraizado no modo de operar do desejo, que é todo afã acima do nível instintivo. Ao refletir sobre essa dinâmica destrutiva, torna-se claro que o fracasso é seu resultado inevitável. Ser rival já é, antes de sair do porto, uma forma de naufrágio — não apenas na hipótese de derrota, mas também no caso da vitória. E isso porque a conquista, nesse contexto, é oca: o objeto ou status obtido no embate mimético nunca satisfaz, pois o rival se renova no mundo interior, permanecendo como um modelo inatingível ou como um obstáculo que reforça a carência e a inadequação. A comparação constante com o outro, a ânsia de suplantá-lo, só gera um sentimento sempre restaurado de insuficiência. A superação verdadeira não consiste em derrotar o outro, mas em elevá-lo através do serviço e da caridade.
Para aprofundar essa questão, é sempre bom retomarmos uma narrativa inaugural da tradição judaico-cristã: o episódio da queda de Eva. Conforme destacado por Jean-Michel Oughourlian, discípulo de Girard, o drama de Eva inicia-se no momento em que ela deixa de ver Deus como modelo e passa a percebê-lo como obstáculo. Essa mudança cognitiva é a origem de sua desconversão, conduzindo-a à transgressão do mandamento divino. Partindo desse contexto, cabe formular algumas perguntas fundamentais: em que medida Eva foi responsável pelo que lhe ocorreu? Como poderia ela ter cuidado de si? E, por fim, que terapia ou psicologia poderiam tê-la auxiliado?
a) A responsabilidade de Eva
Eva foi responsável na medida em que não preservou, no íntimo do seu ser, Deus como seu modelo proficiente. Ao dar ouvidos à serpente, ela demonstrou ingenuidade e imprudência, falhando em exercer o discernimento crítico diante de uma voz que, longe de promover seu bem, desejava sua ruína. O que se vê nesse episódio é a dinâmica universal pela qual o desejo construtivo, orientado para um modelo elevado, pode ser corrompido pela instalação interior de um escândalo, de um modelo convertido em obstáculo.
b) O cuidado de si: preservar o modelo
O cuidado de si que Eva deveria ter exercido consistia, essencialmente, em manter Deus num altar interior, como fonte e orientação do seu desejo. Isso implica o reconhecimento de que o próprio impulso de querer ser como Deus não era, em si, ilícito ou pecaminoso: ao contrário, era a expressão de uma tendência originária infundida por Deus ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança.
Essa dimensão do cuidado antecede a simples obediência a normas morais: trata-se de uma vigilância interior para proteger o modelo a ser imitado. Antes da submissão ao preceito, há o trabalho de conservar um modelo saudável, num ambiente interior bem iluminado, capaz de revelar a integridade do desejo. A vida cristã, quando vivida com meditações regulares sobre o Evangelho e uma contemplação amorosa de Cristo, realiza justamente esse cuidado: molda o ser humano à semelhança do seu modelo divino, num movimento da alma e da pessoa inteira não só rumo à santidade, mas também à sanidade.
c) A possibilidade de uma psicoterapia: premissas necessárias
Pergunta-se, por fim, se Eva poderia ter se beneficiado de uma terapia. A resposta é afirmativa, desde que essa terapia partisse da compreensão de que o desejo humano é, em sua essência, mimético — uma verdade que a psicanálise freudiana não alcançou em toda a sua profundidade, mas que Girard formulou com precisão.
O erro do psicologismo — entendido aqui como uma tendência a uma autorreflexão circular, sem ruptura real com as dinâmicas patológicas — é falhar em restaurar ao paciente a consciência de seus modelos. Uma terapia eficaz seria aquela que ajudasse Eva a reconhecer a centralidade dos modelos em sua vida interior, a distinguir entre modelos profícuos e obstativos, e a escolher conscientemente aqueles que a orientariam para o crescimento espiritual e humano.
Essa perspectiva terapêutica seria igualmente aplicável às relações contemporâneas, como aquelas marcadas pela rivalidade inconsciente com membros da família. A superação dessas rivalidades exige a eleição deliberada de novos modelos de vida, selecionados não por reação, mas por adesão amorosa a ideais elevados e libertadores. Assim, a psicologia girardiana propõe não apenas uma compreensão inovadora das patologias humanas, mas também uma via de cuidado que recoloca o desejo em seu verdadeiro eixo: o desejo de ser como Aquele que é, em si mesmo, fonte de toda plenitude e realização.