O Retorno do Desejo Hegeliano
Um amigo, que hoje reside em São Paulo, mas com quem mantenho ainda um contato pessoal e vivo — pois há amizades que, como certos enigmas, nunca se resolvem inteiramente —, contou-me certa vez que, na adolescência, fazia todo o possível para evitar o encontro com seu pai. Havia, por certo, um afeto natural que o impedia de odiá-lo abertamente: amava aquele que lhe dera a vida. Mas, ao mesmo tempo, pressentia que, na base dessa relação, fermentava algo mais sombrio, uma recusa, um ressentimento, uma espécie de amor envenenado. Para compreendê-lo, devo socorrer-me do conceito de desejo hegeliano: a tensão fundamental entre o amor e a rivalidade, a disputa pela hierarquia do ser.
O desejo hegeliano pode ser, com brevidade, caracterizado como o anseio de ser o modelo para o outro. Não se trata de desejar o objeto, mas de desejar ser o objeto do desejo de outro — e, ainda mais radicalmente, de desejar que o outro me reconheça como seu superior. Essa rivalidade pela posição hierárquica é a mola secreta de muitas relações humanas. Permita-me, porém, uma leve irreverência: abrasileirar o conceito e chamá-lo também de desejo paulistano. No imaginário popular do Rio de Janeiro, o paulistano é justamente aquele que se crê superior aos demais, sem necessariamente sê-lo — mas que, pela força de sua crença, muitas vezes se impõe. Essa imagem facilita, com alguma leveza, a comunicação de uma ideia de fundo profundamente trágica.
Ora, quando a hierarquia entre os homens se estrutura com base no critério econômico, como no marxismo clássico, o desejo hegeliano ou paulistano encarna-se na luta de classes: querer ser o modelo para outro converte-se no desejo de possuir mais bens, de comandar mais pessoas, de subir na pirâmide material. A rivalidade originária do espírito é transmutada em guerra econômica, e o ressentimento assume feições muito concretas de exploração e revolta.
Entretanto, com o advento do que se convencionou chamar de marxismo cultural — que, a meu ver, passa pela propagação deliberada do espírito de combate dentro do próprio tecido social —, o desejo hegeliano volta a não se limitar ao domínio econômico. Ele invade as relações mais íntimas, inclusive a família. A velha hierarquia natural, outrora protegida por afetos espontâneos de respeito e gratidão, torna-se terreno de conflito. Filhos e pais, irmãos e irmãs, cônjuges: todos podem ser levados a viver, inconscientemente, como rivais.
De todo modo, é crucial notar que o marxismo cultural, ao contrário do clássico, não é materialista em sua raiz. Em termos puramente econômicos, é perfeitamente possível que um filho queira ter tanto poder sobre a casa quanto o pai: mandar mais, decidir mais e comprar mais com vistas a ter mais. Porém, em almas mais sutis, o desejo hegeliano mantém sua pureza original: o que se deseja não é o comando da casa física, mas a distância própria daquele que é reconhecido como superior. Não se trata de querer os bens do pai, mas de ser o pai, ou melhor, ser aquilo que o pai é na ordem da autoridade e do ser.
Essa chave interpretativa lança luz sobre o comportamento do meu amigo adolescente. Embora, em profundidade, amasse seu pai — e justamente por isso —, evitava-o sistematicamente. O encontro demasiadamente fácil teria diluído a distância hierárquica que, inconscientemente, ele pretendia preservar. Se sou procurado, desejado, e, no entanto, consigo manter uma distância respeitosa entre mim e aquele que me procura, conquisto, no imaginário da relação, uma posição superior. Esta ascensão, porém, já é sinal de rivalidade; é uma corrupção do amor original, que deveria tender espontaneamente à comunhão, e não à separação.
Nesse embaraço familiar, é lícito conceder ao pai, colocado na posição de vítima, a primazia da simpatia e começar a cura por ele. Não apenas por sua maturidade, mas também porque já buscava, ainda que em vão, a presença do filho. Ademais, o pai, como vítima, poderia melhor inteligir o drama silencioso que se desenrolava. Já o filho, movido por um orgulho tanto mais grave quanto mais inconsciente — o orgulho de querer ser superior ao próprio pai —, teria que se livrar antes da própria cegueira para só depois trilhar um caminho difícil de superação: reconhecer, dissolver e purificar esse desejo de domínio, para reencontrar, sob as cinzas do conflito, a chama pura do amor filial.