A Economia da Atenção Digital: Do Bode Expiatório Algorítmico à Manipulação Emancipatória


Em um ensaio seminal de 1971, Herbert Simon, laureado com o Prêmio Nobel, postulou que "em um mundo rico em informações, a riqueza de informação significa uma escassez de outra coisa: uma escassez do que quer que seja que a informação consome. O que a informação consome é bastante óbvio: ela consome a atenção de seus receptores". Esta formulação canônica da economia da atenção serve como ponto de partida para uma análise aprofundada de sua manifestação no universo digital, um ecossistema que, embora herdeiro dos princípios da mídia de massa, opera sob uma lógica substancialmente distinta e de consequências sociais profundas. A atenção do público, talvez desde a invenção da imprensa,  já era um recurso escasso, mas sua gerência, até outro dia, era feita por guardiões editoriais – editores de jornais, diretores de programação televisiva, curadores de editoras – que desempenhavam um papel seletivo fundamental. Eles arbitravam o que mereceria a atenção coletiva, moldando o discurso público através de um processo de filtragem que, embora sujeito a vieses, era mais explícito e, em certa medida, publicamente contestável. Leve-se em conta, por exemplo, os editoriais dos jornais e as cartas do leitor. O advento da internet e, mais especificamente, das plataformas de mídia social, reconfigurou radicalmente este cenário, introduzindo uma dinâmica de atenção que é ao mesmo tempo mais individualizada e mais opaca.

Na era da mídia de massa, o conceito de "público" era relativamente coeso. Constituía-se como um agregado de indivíduos com interesses similares, cuja atenção era negociada em um processo relacional com os produtores de conteúdo. O editor, ao mesmo tempo em que buscava assegurar a atenção já conquistada por meio de pautas familiares, arriscava-se a introduzir novos temas, em uma aposta calculada no interesse latente de sua audiência. Havia um pacto implícito, uma relação de confiança e autoridade que, embora assimétrica, permitia a expansão do horizonte informativo do consumidor. No ecossistema digital contemporâneo, essa noção de público se esfumaça. A relação entre o usuário e o conteúdo que lhe é apresentado é crescentemente automática, mediada por algoritmos de recomendação. O "público" transmuta-se em uma miríade de Mônadas de Leibniz, cada qual refletindo um universo de interesses particularizado e autorreferente. A relação torna-se mais unilateral; o usuário, empoderado pela capacidade de ignorar, bloquear e silenciar, exerce um poder tirânico sobre seu fluxo de informação, demandando uma ressonância imediata com suas preferências pré-existentes. A negociação dá lugar à confirmação, e a serendipidade é substituída pela eficiência preditiva do código.

A má notícia é que a operação deste algoritmo de personalização não é um acessório, mas a própria condição de possibilidade das redes sociais em sua escala atual. A torrente informacional produzida a cada segundo tornaria plataformas como Instagram, Facebook ou TikTok funcionalmente inviáveis sem um mecanismo de filtragem eficiente. A alternativa seria um fluxo de postagens caótico e aleatório, incapaz de reter a atenção do usuário por mais de alguns instantes. Deste modo, o que emerge é uma estrutura de bode expiatório personalizada. O algoritmo, em sua função primordial, identifica e exclui sacrificialmente tudo aquilo que é percebido como irrelevante, dissonante ou simplesmente desinteressante para o perfil daquele usuário específico. Essa purificação mesquinha do feed, operando com uma intensidade e precisão sem precedentes na história da economia da atenção, cria as chamadas "bolhas de filtro" ou "câmaras de eco". Essas aprimoram, num salto qualitativo trágico, um mecanismo sacrificial que sempre existiu. Ao invés de unificar uma comunidade através da exclusão de um "outro" que era pelo menos conhecido, isola cada indivíduo na celebração cega de seu próprio viés e na ignorância do alheio.

Contudo, e esta constitui a boa notícia, a arquitetura algorítmica, embora concebida para a manipulação, é ela mesma manipulável. O algoritmo, em sua essência, é um sistema de aprendizado que responde a sinais. Ao tomar consciência deste fato, o usuário pode transcender sua condição de mero receptor passivo e assumir uma agência ativa na curadoria de seu próprio fluxo informacional. Ao clicar deliberadamente em tópicos, seguir perfis e interagir com conteúdos que se situam para além de sua zona de conforto ideológica e de seus interesses habituais, o usuário pode ativamente treinar o algoritmo, franqueando a possibilidade de encontrar o novo e o inesperado. O antídoto para a bolha não é a sua negação, mas sim o seu estouro mediante a abertura a um universo de interesses mais eclético e plural. As mesmas ferramentas que forjam o isolamento podem viabilizar uma exposição à diversidade em uma escala antes inimaginável.

Esta duplicidade intrínseca ao design algorítmico deve ser o pilar central sobre o qual se assentarão as regulações das plataformas digitais. Uma abordagem regulatória que se concentre exclusivamente na supressão de fake news ou na criação de um Ministério da Verdade digital está fadada ao fracasso, além de ser eticamente problemática. Tal abordagem não apenas ignora a natureza fundamentalmente contestável da "verdade" no discurso público, como também reforça uma lógica de exclusão que é análoga àquela do próprio algoritmo que se pretende corrigir. A regulação vindoura deve, ao contrário, basear-se no pressuposto da pluralidade conquistada através da agência consciente do usuário. Inclusive, talvez fosse o caso de se pensar, antes do que em regulação, em campanhas de conscientização sobre o perigo das bolhas. De qualquer maneira, o foco deve estar, além de em garantir a transparência dos sistemas algorítmicos, em fornecer aos usuários ferramentas mais robustas para controlar e ampliar seus feeds, e em incentivar designs de plataforma que promovam a serendipidade e o encontro com a diferença. O objetivo não pode ser a imposição de uma "verdade" excludente, mas tem que ser a capacitação do indivíduo para navegar a complexidade do ecossistema informacional, transformando o bode expiatório algorítmico em um instrumento de emancipação intelectual e descoberta.

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