Evangélico Descarado: Ser ou Não Ser?
Um amigo culto e nobre, ainda que um tanto desajeitado em seus modos de lidar com o mundo prático, veio me relatar uma experiência amarga nas redes sociais. Ele havia publicado uma piada autoral que julgava espirituosa, mas que foi recebida com desdém: não apenas não causou riso, como também lhe rendeu zombarias. O golpe mais doloroso não foi, porém, a sua equiparação aos neurodivergentes em geral, mas a ironia de uma moça que, com sarcasmo refinado, elogiou-lhe a “retórica” e a “eloquência”. A ferida não incidiu exatamente no seu ego, mas sobre algo mais profundo: seu desejo professoral ou, como ele diria com um sabor mais clássico, magisterial, aquela vontade de instruir que, quando encontra a barreira da ignorância resistente, transforma a frustração em espécie de dor nobre. Foi para dar forma a essa dor que ele me narrou o episódio — caso contrário, se o conheço, a coisa teria sido relegada ao esquecimento eterno.
Evidentemente, não era a eloquência seu propósito. Quem conta uma piada no registro eiron, isto é, autodepreciativa, não busca convencer nem reforçar autoridade, mas, ao contrário, arrisca a própria pretensão a prestígio. A leitura da sua intervenção como “ato retórico” foi, portanto, um equívoco de leitura. Seu intuito era simplesmente descontrair um ambiente tenso, recorrendo a um humor limpo — aquele que não precisa apequenar o outro para ser engraçado, desafio raro num espaço dominado pela busca de bodes expiatórios. Os que riram, contou-me, tornaram-se imediatamente simpáticos aos seus olhos. Ainda que, em nível consciente, não soubessem o que é um humor do tipo eiron, souberam responder, na prática, à altura. Com os que não riram e ainda zombaram dele, todavia, ele não sabia o que fazer. Cismava-lhe na alma a seguinte uma dúvida: seria compatível com o ethos do humorista, por mais cristão que fosse, prometer, em favor dos seus zombadores, “tentar melhor da próxima vez”?
Essa promessa, refletia ele, pareceria um gesto de bondade escandalosamente evangélica, do tipo que se vê nas narrativas exemplares de perdão incondicional — como a esposa de Kirk que perdoa o assassino do marido. Um gesto útil, sem dúvida, para quem deseja o prestígio da autoridade moral necessária para persuadir. Mas, no caso dele, não havia tese a defender nesse grupo, nenhum logos específico a sustentar, nenhuma verdade brilhante. Sua ação se restringia às dimensões inferiores: o ético e o patético. Fez-se ridículo para acalmar, voluntariamente vulnerável para quebrar a tensão, e nesse ato deslocou-se do território da eloquência persuasiva para o do mero bem-estar social. Talvez esse tenha sido o seu erro.
De qualquer maneira, o incidente, longe de ser mero fracasso de comunicação, revela algo mais profundo sobre o lugar do humor nos últimos dias. As redes sociais parecem predispor o público a ler qualquer manifestação, por mais propositadamente ridícula que seja, como disputa de prestígio, obscurecendo o espaço para o humor despretensioso ou para a vulnerabilidade que não deseja convencer, mas apenas partilhar. A ferida de meu amigo é, nesse sentido, sintoma de um mal maior: a dificuldade contemporânea de distinguir entre a retórica da autoridade e a leveza do riso gratuito. Talvez, ao insistir em seu humor limpo, ele não esteja fracassando, mas resistindo a essa tendência — e sua ferida, paradoxalmente, seja também sua dignidade.