Quinta-Coluna em Camadas
AS MENINAS nada é o que parece |
Outro dia, em meio a uma conversa que começou sobre café e terminou na espionagem britânica, um amigo meu — desses espíritos ao mesmo tempo brilhantes e perigosos para a ordem social — lançou a ideia que agora ouso transcrever. Dizia ele, com toda a gravidade de um conspirador, que uma quinta-coluna pode ser, ela mesma, sabotada por uma quinta-coluna de segundo nível, fiel à organização originariamente visada. É como se a traidora fosse traída, o traidor enganado, e a própria perfídia tivesse de submeter-se à sua lógica destruidora.
O exemplo clássico, evidentemente, não poderia deixar de vir do MI5 na Segunda Guerra Mundial. Ali, os agentes alemães que atravessavam o Canal com intenções pouco turísticas eram prontamente virados pelos ingleses. Resultado: a tão temida quinta-coluna nazista tornou-se, na prática, um braço da contrainteligência britânica. Não só deixaram de sabotar a Inglaterra, como passaram a sabotar o Reich, transmitindo informações falsas que enganaram o alto comando alemão sobre a localização do desembarque aliado no Dia D. Poucas vezes a história foi tão refinadamente irônica: Hitler, paranoico como sempre, acabou confiando em quem menos devia — seus próprios espiões convertidos.
Meu amigo, incapaz de se deter nas lições do passado, decidiu então aplicar a teoria das quintas-colunas em camadas ao mundo contemporâneo, e logo desembocou em tema mais doméstico: uma recente decisão do TJMG que suspendeu a lei municipal de Belo Horizonte que pretendia garantir às instituições religiosas o direito de organizar os banheiros de seus templos conforme o sexo biológico.
Aqui, disse ele, tentando simplificar para mim o cerne de seu pensamento cabuloso, o exército sabotado é a Igreja, paladina há séculos da ética da inclusão de coxos, cegos e outros desvalidos sociais. A quinta-coluna de primeiro nível seriam os defensores da exclusão, travestidos de campeões da liberdade religiosa. O autor do projeto, na verdade, não queria tanto organizar banheiros quanto organizar manchetes: ao permitir a judicialização da questão, trouxe à discussão pública uma divisão de sanitários que, até então, dormitava em paz.
Mas eis que, na sua hipótese, poderia surgir a quinta-coluna de segundo nível: vereadores católicos in corde, que, numa manobra digna de contraespionagem do MI5, tentariam sufocar o projeto no nascedouro em nome da igualdade de gênero. A ironia chega ao ponto de que, para defender a Igreja de ser instrumentalizada por agentes da exclusão, esses vereadores vestiriam as armas discursivas da inclusão. Aqui, como na Guerra, a quinta-coluna seria subvertida, desarmada pela astúcia dos seus próprios cúmplices.